sábado, 25 de outubro de 2014

Marina

Fonte: Skoob
No livro "Marina", Carlos Ruiz Zafón constrói um suspense envolvente em que Barcelona é a cidade-personagem, por onde o adolescente Óscar Drai, de 15 anos, passa todo o seu tempo livre, andando pelas ruas e se encantando com a arquitetura de seus casarões.

É um desses antigos casarões aparentemente abandonados que chama a atenção de Oscar, que logo se aventura a entrar na casa. Lá dentro, o jovem se encanta com o som de uma belíssima voz e por um relógio de bolso quebrado e muito antigo. Mas ele se assusta com uma inesperada presença na sala de estar e foge, assustado, levando o relógio.

Dias depois, ao retornar à casa para devolver o objeto roubado, conhece Marina, a jovem de olhos cinzentos que o leva a um cemitério, onde uma mulher coberta por um manto negro visita uma sepultura sem nome, sempre à mesma data, à mesma hora. Os dois passam então a tentar desvendar o mistério que ronda a mulher do cemitério, passando por palacetes e estufas abandonadas, lutando contra manequins vivos e se defrontando com o mesmo símbolo - uma mariposa negra - diversas vezes, nas mais aventurosas situações por entre os cantos remotos de Barcelona.

Tudo isso pelos olhos de Oscar, o menino solitário que se apaixona por Marina e tudo o que a envolve, passando a conviver dia e noite com a falta de eletricidade do casarão, o amigável e doente pai da garota, Germán, o gato Kafka, e a coleção de pinturas espectrais da sala de retratos. Em Marina, o leitor é tragado para dentro de uma investigação cheia de mistérios, conhecendo, a cada capítulo, novas pistas e personagens de uma intrincada história sobre um imigrante de Praga que fez fama e fortuna em Barcelona e teve com sua bela esposa um fim trágico. Ou pelo menos é o que todos imaginam que tenha acontecido, a não ser por Oscar e Marina, que vão correr em busca da verdade - antes de saber que é ela que vai ao encontro deles.

Trecho de 'Marina" - Carlos Ruiz Zafón

Virei e me deparei com uma visão que parecia roubada de um sonho. Uma bicicleta emergia lentamente da bruma. Uma menina usando um vestido branco descia a encosta pedalando na minha direção. Na contraluz do amanhecer, eu podia adivinhar a silhueta de seu corpo através do algodão. Uma longa cabeleira cor de feno ondeava escondendo o rosto. Fiquei ali, imóvel, contemplando-a enquanto se aproximava, como um imbecil com ataque de paralisia.

A bicicleta parou a uns 2 metros de mim. Meus olhos, ou talvez minha imaginação, adivinharam o contorno de pernas esguias tentando alcançar o chão. Meu olhar subiu por aquele vestido que parecia saído de um quadro de Sorolla e foi parar num par de olhos de um cinza tão profundo que alguém poderia cair lá dentro. Estavam cravados em mim com olhar sarcástico. Sorri e ofereci minha melhor cara de idiota.

— Você deve ser o cara do relógio — disse a menina num tom que combinava com a força de seu olhar.

Calculei que devia ter a minha idade, talvez um ano a mais. Adivinhar a idade de uma mulher era, para mim, uma arte ou uma ciência, nunca um passatempo. Sua pele era tão pálida quanto o vestido. 

— Você mora aqui? — gaguejei, indicando o portão. 

Ela mal piscou. Aqueles dois olhos me perfuravam com tanta fúria que precisei de mais duas horas para me dar conta de que, no que me dizia respeito, aquela era a criatura mais deslumbrante que eu tinha visto na vida ou que esperava ver um dia. E ponto final.

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